“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

OrtoFoto

autor: Oxana Khlibova

"O desafio dos relacionamentos"

A vida cristã é deslocar-se pelo mundo. Atrás do cinza de nossas vidas nós não enxergamos e não percebemos a totalidade da nossa missão na Terra, a totalidade dos talentos dados a nós por Deus e não temos consciência até de nós mesmos. Os talentos de nossa alma permanecem não utilizados. Nós nos consideramos pouco significativos assim como as outras pessoas e dizemos: “Nós somos pessoas simples, normais, aonde nós teremos capacidade de fazer algo especial, uma vez que o mais importante é trabalhar para sobreviver.” Essa diminuição de si mesmo, muitas vezes enfraquece nossa força de vontade para agirmos — e apesar disso tudo, cada um de nós tem uma missão. Cada ser humano no mundo tem uma tarefa a executar, pois é um enviado de Deus na Terra. Nosso Senhor precisa de cada alma e cada um é responsável pela sua vida e não está livre de ser responsável pelos outros. A questão não está na nossa limitada capacidade, mas na falta de vontade de assumir a responsabilidade de si mesmo. Nós freqüentemente comentamos: “Isso não é problema meu, vou deixar os outros fazerem força, etc.” Com essas palavras nós transferimos a nossa responsabilidade para os outros e com isso também toda e qualquer culpa sobre eles, começando a julgá-los e com isso gerando conflitos.

Nossa vida externa em muito depende de nós mesmos. Em virtude de nossa missão na Terra, cada um tem influencia sobre os que o cercam e dessa forma na vida do mundo. Se a má vontade de uma certa forma neutraliza a força do bem, mais ainda a força de vontade livre do pecado, tem um significado enorme.

Nós diariamente relacionamo-nos com diferentes pessoas, e nestes relacionamentos podemos nos revelar num bom ou mau sentido. Infelizmente, nós freqüentemente não percebemos a luz e o bem que em nós se desenvolvem. Nossos talentos são obscurecidos pelo cinza de nossas vidas. Nós muitas vezes não conhecemos as preciosidades de nossa alma e por causa disso sobre a nossa alma desce um tipo de escurecimento. Pois para cumprirmos nossa missão, é necessário que se abra nossa visão interior, e somente assim nós enxergaremos em nossa alma aquelas riquezas que estão fechadas de nossa visão interna. Nós precisamos por nós mesmos descobrirmos estas preciosidades e ajudar aos outros para que também consigam fazer isto dentro deles. É exatamente por isso que é tão importante o relacionamento com os outros: ele torna-se para nós a escola de nossa salvação, de nossa força espiritual. Isolar-se evitando relacionar-se com as pessoas nem sempre é saudável para um cristão.

Vivendo isolado, o ser humano torna-se quase sempre empobrecido. Quanto mais ele isola-se das pessoas, mais ele torna-se pobre. Vivendo sozinhos nós nos desligamos da vida em comum, da vida de todo um organismo, no isolamento nós secamos, pois não nos alimentamos dos nutrientes da vida em comum. Através do relacionamento com outras pessoas descobrem-se forças desconhecidas do ser humano e que entram em ação. Dessa forma, o relacionamento com outras pessoas enriquece nossa alma, que floresce na medida de nossa aproximação com outras pessoas. Cada ser humano é um indivíduo, mas ele pode completar em si o que lhe falta através do relacionamento com toda a humanidade. As pessoas — são as flores de Deus; é necessário imitar as abelhas que colhem mel de todas as flores, enriquecendo-se com a individualidade dos outros e abrindo-se aos outros.

Algumas vezes os relacionamentos tornam-se difíceis para nós, mas nós somos chamados para a vida em comum e por isso o relacionamento com as pessoas é um dever cristão. Cada encontro pode nos dar muito. Se nós formos atentos às pessoas que nos rodeiam, invariavelmente nós encontraremos preciosidades como a luz e o bem. Em cada ser humano existe o belo e somente os nossos pecados não nos permitem ver isto. Nós encontramos pessoas e na maioria das vezes as avaliamos incorretamente, analisando só a superfície. A gente diz: “Aquele é simpático e este não.” Freqüentemente olhando quaisquer aspectos ausentes numa pessoa, nós a evitamos, examinando somente a sua aparência, fazemos julgamentos a seu respeito, sem tentarmos superar o que nos separa. Nós gostamos de nos relacionar com pessoas que são agradáveis a nós, quando existe uma predisposição favorável uns com os outros. Encontrando a menor resistência na relação, nós não fazemos força para ultrapassá-la. É difícil conversar com uma pessoa, contra a qual sentimos preconceito, mas é exatamente esta dificuldade que nós precisamos ultrapassar.

Deus quer nos reunir a todos enquanto o demônio se esforça em nos separar. Superando a desunião, nós descobriremos uns nos outros aquilo o que único que é de Deus em nós, o que gera a nossa força, o que nos dá a bem-aventurança. O pecado dividiu toda a humanidade. Vencendo o pecado dentro de si, as pessoas aproximam-se umas das outras, assim que retornam ao seu estado original da natureza humana em geral — a de um único organismo. O pecado rouba o ser humano. Não vencendo aquilo o que nos separa, nós não enxergamos a vida real de cada ser humano, mas somente a sua persona, a qual nós erradamente consideramos como sua realidade. Nossa fragmentação, nossa prepotência distorce nossa vida.

Nós normalmente consideramos que nossos encontros com outras pessoas são acidentais. Claro que não é isso! Deus coloca-nos uns ao lado de outros na família e na sociedade, para que nós enriqueçamos uns com os outros; para que encostando uns nos outros, as pessoas com o atrito acendam faíscas de luz. Deus diz: “Eis uma charada. Eu coloquei você junto a essa ou aquela pessoa. No seu coração existe um talento, que Eu dei a você, portanto descubra-o.” Deus, enviando cada alma para a vida, a diferencia com um determinado talento e lhe dá um palco para ação, para o florescimento de sua vida espiritual. Como cada pessoa é espiritualmente diferente, se o seu talento espiritual não for descoberto, será a falência da sua alma e o desaparecimento da luz Divina num determinado ponto da existência. Por isso cada um deve preocupar-se com o seu mundo espiritual, para permitir a luz Divina a oportunidade de brilhar nele e não desaparecer. Por que nós não temos vontade e somos lentos para utilizar aquelas forças que existem dentro de nós? Vencendo o pecado nós libertamos os princípios do bem dentro de nós, reduzindo o mal - diminuímos o mal na Terra. O menor esforço de nossa parte quebra a nossa inércia e desperta o bem adormecido e o evidencia.

A cada um de nós são dados determinados talentos. A cada um Deus irá perguntar: “Por que você não fez o que deveria ter feito? O desafio de cada um na sua vida é descobrir e multiplicar os seus talentos dados por Deus. Freqüentemente as pessoas falam: “Eu não tenho nenhum talento,” tendo em vista o talento dos cientistas, artistas plásticos, lideres na sociedade... Mas muito mais importantes são os talentos do coração, que Deus deu a cada ser humano, como por exemplo a cordialidade, a compaixão, a presteza. O desenvolvimento destes talentos, como aspectos de nossa natureza, está em nossas mãos. Esses nossos talentos são desenvolvidos através de um ativo relacionamento com as pessoas. Nós estamos ligados através de inúmeros fios uns com os outros, e nós precisamos através deste fios criar união em nossas vidas. É triste constatar que muitas pessoas queixam-se da solidão. Isolar-se dos outros cria uma certa apatia, enquanto o contato - ao contrário, dá vivacidade, uma vez que a pessoa sente, que ele não está perdido no mundo. O contato com as pessoas é um fio que atirado da Terra para o Céu a Deus - ao Centro que a tudo une. O desejo de união que vem do coração de um ao coração de outro, tem em si como direção o Centro que a tudo une e que é Deus, pois o contato entre as pessoas é vida e a separação é a morte.

A união entre as pessoas é o bem que traz a nós a alegria da vida. Esta é uma lei afastando-se da qual, as pessoas irão invariavelmente sofrer. Todos nós somos criados à imagem e semelhança de Deus. Isto significa que a imagem de Deus é exatamente o que nos une. Unindo-nos, podemos gradativamente conquistar uma mesma forma de pensar, um mesmo espírito, uma mesma vontade... aquela unidade da qual Jesus falava: “...Para que sejam todos um, como tu, Pai, o és em mim, e eu em ti, para que também eles sejam um em nós...” (João17:21). Nós em nossa vida cinza nem achamos necessário procurar aquilo que nós recebemos de Deus, aquilo que na realidade poderia nos unir. O estado de desunião tira de nós a alegria da vida cotidiana e não nos permite desenvolver nossos talentos.

Constantemente escutamos: “Não existem pessoas boas.” Como não existem pessoas boas? Entre nós há pessoas com educação avançada, inteligentes, com tesouros espirituais e apenas por causa de um véu superficial nós não enxergamos isso e além de tudo enterramos nossos próprios talentos junto com os dos outros. Nós somos escravos da preguiça e da malícia. Nós dizemos que não podemos multiplicar nossos talentos, apesar de ser dito: “Batei e abrir-se-vos-a.”

Em cada coração é necessário procurar um tesouro. Os tesouros são procurados com freqüência, mas não os espirituais, por isso é necessário procurar os espirituais. Muitos podem perguntar: “ E para que?” — Nós responderemos: “Para enriquecermos.” Nós enxergamos nas pessoas somente a superfície e tomamos delas somente o superficial, pois não percebemos e não procuramos o tesouro existente em cada um. É necessário procurar o talento existente no coração; este tesouro é a fonte do bem. Mas como fazer isto? Para isso é necessário esforço e dedicação. Sem esforço, como dizem, não se tira um peixinho da lagoa. Se mesmo os grandes talentos recebidos de Deus dependem de esforços para que haja um resultado de acordo, tanto isto é verdadeiro para as pessoas comuns.

Aproximando-se de uma pessoa, vamos prestar atenção ao seu coração - que é o centro do ser humano. Jesus Cristo afirmou que tudo tem origem no coração das pessoas: “O homem bom do bom tesouro de seu coração tira o bem; e o homem mau do mau tesouro tira o mal” (Lucas 6:45). A bondade no coração é uma dádiva de Deus e que pode ser multiplicada por dez; sobre um coração bom é mais fácil estabelecer a bondade. São João Zlatoust dizia: “Os milagres estão não nas grandes realizações, mas o milagre está quando alguém mau transforma-se em bom,” porque então vencem-se os aspectos originais da natureza humana e cria-se uma nova pessoa através da luta com o pecado.” Lutando com o pecado, o ser humano se aperfeiçoa, isto é transforma-se naquele que o liga a Deus. O ser humano vencendo o pecado dentro de si, abre assim os melhores aspectos de sua alma, o que também faz surgir nas outras pessoas um tesouro, o qual os outros nem desconfiavam de sua existência. Quando em pecado, o ser humano como que tem medo de outras pessoas e não caminha feliz pela Terra. Ele pensa dentro de si como fazer para não se encontrar com esta ou aquela pessoa. Vencendo o pecado, o ser humano facilmente aproxima-se de outras pessoas e contamina-as com o bem. Se olharmos no âmago de cada ser humano, podemos enxergar a sua real natureza. Isto não é fácil, mas nós precisamos nos disciplinar para conseguir.

Quando nós estamos de bem com as pessoas, nós nos iluminamos com faíscas de luz, e levamos conosco algo invisível — que nos dá vida. Deus nos envia ao mundo para evidenciarmos nossas riquezas. Se nós juntarmos os pedacinhos do bem e da luz descobertos em nós, só isto já será muito. Se estivermos recolhendo pedacinhos desta luz, então nesta atmosfera nós mesmos seremos alimentados por ela e então ocorrerá a iluminação e aquecimento de nosso coração empedrado. Este processo de procura pela luz é o momento de iluminação espiritual: a beleza do bem descoberto enche de beleza a nossa alma. Na procura do tesouro em nossa alma, nós inevitavelmente iremos arrancar as ervas daninhas de nosso coração e esta limpeza também faz parte do bem, o qual nos dará a alegria de viver. Este bem é o degrau para a morada onde enxergamos Deus no momento de nosso crescimento espiritual — a bem-aventurança. Foi dito: “Bem aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mateus 5:8). É com momentos diferenciados que o ser humano prepara para si seu espaço na morada da luz.

A luz de Deus, que nós descobrimos em nós, faz com que nós enxerguemos verdadeiramente e quando nossa visão está atenta, então nós não iremos gastar todas as energias de nossa alma com coisas insignificantes. Com a luz de Deus, como uma lanterna na mão, o ser humano ilumina o seu caminho e então também nas outras pessoas ele começa a enxergar a mesma luz. Esta luz existe em cada ser humano, mas ela está coberta pela escuridão a ponto de nós durante muito tempo não conseguirmos senti-la em nós e enxergá-la nos outros. Uma vez percebida esta luz, é como se nós despertássemos pois tudo muda em volta de nós e as energias do mal perdem as suas força. Com a luz de Deus e com essa reviravolta interna voltada para Deus, reunimos todos os pontinhos de luz num único foco e com isso não apenas iluminamos a nós mesmos, mas despertamos a luz nas outras pessoas.

Quando durante os relacionamentos com as pessoas surgem dificuldades, quando o mal cria uma tempestade em nosso coração e instala-se a escuridão, nós precisamos pedir ajuda a Deus, chamando mentalmente pelo Seu nome. Este é um momento espiritual. O ser humano quando se encontra assim na escuridão, pode fazer e falar muitas bobagens. É importante rapidamente voltar-se para Deus. Ele introduzirá a luz na escuridão. Com este ato criativo - quando o ser humano volta-se para Deus, ele está chamando a luz que vinda de Deus vai para o seu coração, isto é, o próprio Jesus Cristo entra em seu coração, iluminando-o e lá reinando. Então no coração vive Deus, a escuridão é vencida e esta vitória leva a nós numa outra esfera da vida — nova e alegre. No coração instala-se a paz e a alegria e então nós começamos a perceber aquela unidade, pela qual nossa alma tanto anseia. Vivendo para Deus, é como se nós nos renovássemos, entramos na esfera da luz e o próprio Nosso Senhor se afirma em nós: “Porque onde se acham dois ou três congregados em meu nome, ai estou eu no meio deles” (Mateus 18:20).

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Contato com a Ortodoxia

Silêncio, concentração, ascetismo, ênfase no trabalho espiritual interior — o que no Brasil, como «país do carnaval», não existe.

Mas é justamente isto que podemos encontrar na Igreja Ortodoxa. Até que ponto é oportuna uma conversa sobre a contribuição especial da Ortodoxia na cultura brasileira? Foi sobre isto que decidimos conversar com o ministro da cultura do Brasil, Gilberto Gil, depois de estar em uma celebração ortodoxa.

Senhor ministro, que conhecimento o senhor tem da Ortodoxia?
Devo reconhecer que foi a primeira vez na minha vida que estive em um templo ortodoxo e a primeira vez que presenciei uma celebração religiosa... Estou admirado! É até difícil exprimir meus sentimentos. Simplesmente, essa cerimônia foi para mim também uma espécie de batismo — foi como se eu mesmo estivesse diante do sacerdote, eu mesmo mergulhasse na pia batismal.

Como ministro da cultura, o senhor considera que a Ortodoxia pode dar alguma contribuição à cultura brasileira no aspecto espiritual?
Ocorre que o Brasil é um país muito novo, cuja cultura e tradição espiritual próprias estão apenas começando a se formar. Hoje a sua cultura é uma espécie de coquetel de várias tradições culturais e espirituais. Para uma tomada de consciência dos brasileiros isto é muito importante. Por isto nos alegramos com toda «tradição externa» que pudermos entrar em contato.

A Ortodoxia no Brasil pode ter um papel de destaque?
Por enquanto não estou preparado para falar com mais detalhe sobre a profundidade espiritual da fé ortodoxa. Mas, a julgar até pela impressão externa da celebração, penso que a Ortodoxia pode ter a sua contribuição especial — única — à nossa cultura. A estética ortodoxa, música, textos, organização do templo — por tudo isto a Ortodoxia pode ser intressante aqui no Brasil.

O que o senhor sente agora, depois de terminada a celebração?
Uma vez mais sinto que o ser humano tem um enorme valor — o serviço divino. Através do serviço a Deus podemos materializar na vida tudo o que temos de humano — a tentativa de ser firme, a consciência de que o tempo e a nossa vida não são sem sentido, a necessidade não é somente de «sobreviver» neste mundo, mas permanecer fiel à predestinação do homem.

Entrevista concedida a Konstantin Matsan, do Magazine "Tomé"

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Reencontro com a Igreja à Brasileira

Matéria do Magazine «Foma» (Tomé), por Denis Mikhanko, diretor da filial de São Peterburgo.

Às portas do verão no templo ortodoxo de Santa Zenaide no Rio de Janeiro reuniu-se um grupo incomum — um famoso diretor de cinema, uma famosa atriz e... o ministro da cultura do Brasil. O que os trouxe alí foi o Sacramento Ortodoxo do Batismo.

«Santa Teresa»
«Nossa igreja ainda não havia recebido visitantes como esses de hoje...» - disse o pároco, padre Basílio Gelevan, com visível emoção. Sem dúvida, quando um brasileiro entra em uma igreja ortodoxa, mais ainda quando adota a Ortodoxia — não é um grande acontecimento e o sacerdote, que serve no Brasil, nem se admira tanto. Entretanto, foi ministrado recentemente um batizado muito incomum — até mesmo para os padrões locais: uma família de atores famosos batizou o seu filho de oito anos com a presença... do ministro da cultura do Brasil, o veterano da música popular brasileira, cantor e compositor Gilberto Gil. O ministro chegou de táxi ao bairro de Santa Teresa, onde encontra-se a única igreja ortodoxa russa do Rio de Janeiro. E não foi por acaso: seu motorista particular teria muita dificuldade de chegar ao endereço pelas entrelaçadas ruas desse bairro. Ao desembarcar, o senhor Gilberto Gil logo atraiu a si todas as atenções: Um afro-brasileiro com cabelo à jamaicana, calça e camisa solta, ambas de um branco deslumbrante foi uma personalidade muito incomum na igreja russa, construída dentro das melhores tradições do norte da Rússia. Não havia muita gente a ver com admiração o ministro — apenas alguns brasileiros que haviam permanecido na igreja após um curso semanal de língua eslava antiga ministrado pelo pároco. No mais, como deve ser nas cerimônias de batismo, as pessoas que vieram à igreja nesse dia foram os parentes e amigos. É de se entender: Quem, se não uma família de artistas, para ter relações estreitas com o ministro da cultura. A mãe do menino é Fernanda Torres, premiada no Festival de Cannes como «melhor atriz» pelo filme «Eu sei que vou te amar» (1986) e da mesma forma na Associação Paulista de Críticos pelo filme «Meia noite» (2000). A internet indica mais de trinta filmes com a sua participação. Seus pais — a atriz Fernanda Montenegro e o diretor de cinema Fernando Torres - também são muito conhecidos. Da atriz Fernanda Montenegro diz-se que oito entre dez dos filmes brasileiros mais populares têm a sua participação e ela é tão solicitada, que se permite não fazer novelas, mas somente atuar no teatro e em filmes de longa metragem.. Quanto a Fernando Torres (quase perfeito xará de sua filha), também realizou muito no teatro e no cinema, personificando em muito a arte dramática brasileira para o mundo inteiro. Fernanda Torres está casada há oito anos com o diretor ciinematográfico brasileiro que não tem nada de brasileiro no seu nome e sobrenome — Andrucha Waddington. A mãe de Andrucha é Irina — que veio para o Brasil entre os emigrantes russos do pós-guerra e já mora há muito tempo no Rio de Janeiro. É claro, diz ela, que «nos documentos consta o nome Andrew, mas nunca em toda a vida alguém o chamou assim — para todos ele é o Andrucha. Desde a infância eu lhe dizia que ele seria o único no mundo a ter esse nome». E realmente, nos seus filmes o nome do diretor escreve-se, em letras latinas: Andrucha Waddington. Seu filme «Eu, tu eles» (2000) conquistou um premio especial em Cannes, e o «Casa de areia» foi apresentado no festival «Cinema Brazil Grand Prize» em doze categorias simultâneas. Nesse dia toda a família reuniu-se na igreja de Santa Zenaide para batizar o Joaquim Waddington nos seus oito anos de vida.

E se os padrinhos forem católicos?
O menino desejava muito que a sua madrinha fosse a tia — irmã de seu pai, - Elisabeth Waddington. Entretanto, criou-se uma situação nada simples, porque ela era católica. Elizabeth e também a mãe do menino, pensavam que o sacerdote fecharia os olhos a este respeito — seja pelo fato de estar a paróquia em um país católico, seja pelo «estrelismo» das pessoas que vieram à igreja. Mas o pároco, padre Basílio, encarou a situação de modo diferente: «Padrinho de batismo deve ser ortodoxo». O resultado foi inesperado: Meia hora antes do batizado do pequeno Joaquim sua tia Elizabeth Waddington, preparando-se para ser a madrinha, confessou-se e adotou a ortodoxia.* Mais tarde, Elizabeth contou que essa mudança não foi por acaso, mas foram os pingos nos «is» - resultado de uma longa meditação e a formalização do que ela realmente desejava em toda a sua vida. Não é difícil entendê-la, pois ela cresceu com sua mãe, na sua família sempre se comemorou a Páscoa ortodoxa. Ela é vivamente interessada pela Rússia e, em especial, pela Ortodoxia. «A fé sempre exige sacrifícios e renúncias - compartilha - e parece-me que as pessoas na Rússia já não estão preparados para tais sacrifícios...» Fiquei admirado: «Por que a senhora pensa assim?» Ao que Elizabeth explicou: «Porque nos setenta anos de poder soviético em que a fé foi proibida eles tinham de sacrificar-se tanto, que agora — quando «pode-se tudo» - eles cansaram-se do sacrifício». Porém Irina, mãe de Elizabeth, que estava atuando como tradutora da nossa conversa, sem esperar minha reação, respondeu: «Não, Beta, você não entende algumas coisas: na época soviética o que foi proibido não foi a fé, mas a religião. A fé continuou sempre viva nas pessoas...» «Vocês viram os seus rostos? - disse Irina após o batizado — Choraram durante toda a cerimônia.» E realmente, durante a celebração do Sacramento (e também depois) a madrinha e os pais encheram-se de emoção. Só quando Fernanda cruzou o olhar com algum dos presentes na igreja lembrou-se que deveria estar sorrindo — por educação, além do que, era uma festa. O mais frequente foi que a atriz limpava suavemente as lágrimas dos olhos... Andrucha Waddington, mesmo sem segurar a emoção, foi mais contido. Não é de se admirar: desde a infância ele é ortodoxo e a cerimônia religiosa, por mais tocando que fosse, já é do seu costume. O mesmo não se poderia dizer do amigo da família, que chefia a cultura do Brasil. Gilberto Gil não chorou, claro. Mas é difícil dizer que estava sem emoção — estava totalmente concentrado na celebração. Os atos do sacerdote, os três derramamentos de água sobre a cabeça de Joaquim, o corte de fios de cabelo da cabeça do menino — nada fugia ao olhar interessado do senhor Gilberto Gil. O padre Basílio pediu justamente a ele para fazer a leitura de um trecho da epístola de São Paulo aos Romanos (em português). O ministro ficou admirado, mas cumpriu o pedido.

Conservar as raízes?
«Naquele espetáculo eu fiz o papel de Nina», - conta Fernanda Torres sobre a peça «As gaivotas». Nada de especial: os artistas gostam de falar dos seus personagens. Só que o nome «Nina» foi pronunciado de modo incomum: o «i» fechado e não aberto. Não é de se estranhar: A famosa atriz brasileira fala em português... Na peça ela fez o papel de Nina Zarechnaya no palco do principal teatro do Rio de Janeiro. «O sistema Stanislavski, sem dúvida, só podia ter nascido na Rússia» - considera Fernanda. Por que? Porque do ponto de vista da atriz, no profundo mergulho para dentro da essência do ser humano, que é a característica do sistema, encontra-se a visão do homem puramente russa. «Procurar ver o que é o principal no ser humano e não o secundário, parece-me ser a visão russa. E quem me ensinou a ver o ser humano assim foi Tchekov. Porque ele exprime com nitidez tudo o que é importante e valioso em nós, mas com maior nitidez ainda, tudo o que é prejudicial. Para Fernanda Torres esta idéia materializou-se no trabalho artístico: «Depois do trabalho em «As gaivotas» esta abordagem em relação às pessoas tornou-se para mim um método criativo, que vou usar em toda a minha vida; é com este critério que eu vou encarar, de agora em diante, todos os outros papéis e personagens. Para mim eu formulei isto da seguinte maneira: é preciso entender o caráter russo e então será possível fazer qualquer papel». Falando do caráter russo, Fernanda Torres sempre fala do marido: «Sofrimentos tão profundos e agudos como nele se vêm, não encontrei em nenhum brasileiro. Parece-me que eles só podem nascer na alma russa». De início essas palavras podem parecer inocentes: para o olhar russo Andrucha Waddington é, na verdade, um estrangeiro, que pensa em português, entende de modo geral, mas não fala a língua russa. Ele não se orgulha do seu nome «russo». Morando no Brasil, ele não pensa na Rússia como algo «seu, conhecido e entendido», o que por vezes é tão característico nos descendentes dos emigrantes. Sua «russidade» está na relação consciente com a própria origem. Ele, como se costuma dizer, «conserva as raízes». «Sabe, não estou seguro de ter base para me considerar um russo em toda a extensão, diz Andrucha. -Mas o fato de que historicamente sou russo, para mim é evidente. Eu sinto isto. E uma boa parte deste sentimento, claro, é a fé. Fui batizado aqui no Rio de Janeiro, há muitos anos, na igreja de Santa Zenaide. E dois dos meus filhos foram também batizados aqui. Estou feliz porque hoje foi igualmente batizado aqui o meu terceiro filho. Estou ainda mais contente porque minha esposa, que foi católica a vida inteira, hoje adotou a Ortodoxia...» ...Aconteceu que meia hora antes do batizado do menino o padre Basílio ouviu duas confissões — de Elizabeth Waddington, que seria madrinha e de Fernanda Torres. Assim, também a mãe do menino tornou-se ortodoxa. Se podemos presumir que para a tia de Joaquim a passagem à Ortodoxia era, além do mais, indispensável (de outra forma o batizado não seria possível), para Fernanda não havia esta «necessidade objetiva»... Então, por que?

A escolha não é por princípio?
«Por muito tempo eu caminhei nesta direção, - conta Fernanda, já depois do Batizado. -De modo geral o caminho para a fé não pode ser rápido e direto; a decisão de passar para a Ortodoxia não pode nascer de uma hora para outra». Principalmente no Brasil — país em que todas as formas de fé são consideradas «iguais» e não há uma religião tradicional. Na opinião dos próprios brasileiros, aqui a pessoa é quase obrigada a reconhecer que uma confissão religiosa de nenhuma forma contradiz a outra. Significa isto que a escolha da confissão religiosa não se prende a princípios e, em grande medida — simplesmente não precisa ser feita. Fernanda também viveu com esta convicção. «Minha juventude foi vivida no nihilismo e no ceticismo. A aparente igualdade das religiões levou, então, à negação da religião como tal». Mas com os anos a necessidade da fé começou a ser sentida com força cada vez maior. Para a atriz ficou evidente: «A falta de fé — é caminho para a depressão e a pessoa humana sem fé — simplesmente fica perdida». O momento de virada na conscientização da necessidade da fé veio com o filho. «Comecei a pensar sobre o presente, sobre o futuro, sobre o seu destino e sobre o meu. De modo geral parece-me que quando vêm as crianças a pessoa é simplesmente empurrada para a fé. Bem, pode ser apenas o meu sentimento pessoal». Pode ser que sim, mas não deve ser por acaso que a Ortodoxia entrou definitivamente na vida da Fernanda, justamente no dia do batizado do seu filho e quando, nas palavras do sacerdote, «nasceu um novo cristão». É claro que Fernanda começou a conhecer a Ortodoxia antes. Seu marido é ortodoxo, seus filhos do primeiro casamento — também. Mas a verdadeira abertura, no entender da atriz, foi para ela a literatura russa: Tchekov, que ela representou no teatro e Dostoievski. «Foi através deles que cheguei à fé». «Crime e castigo», «O jogador», «Os demônios» para Fernanda são mais do que simples literatura: são a expressão da cultura russa, pela qual foi se apaixonando cada vez mais a cada página, segundo o seu próprio reconhecimento. Por que? «Porque na cultura russa o anseio pela fé — é o principal. Em seus contos Dostoievski mostra justamente isto: mesmo que a pessoa se encontre na beira do precipício e esteja quase a cair nele, ela tem ao que se agarrar para sobreviver, para voltar — é a fé». E como que para sublinhar essa particularidade da cultura russa, a atriz Fernanda Torres trouxe um exemplo da sua vida profissional: «A cultura americana, por exemplo, é inteiramente baseada na psicologia. Sabe, para representar uma peça americana no teatro, sempre convidamos um psicólogo e ele nos explica o que faz sofrer o homem, como é possível resolver o seu problema — assim nós entendemos o que devemos representar. Agora, imagine uma peça russa... Não há no mundo nenhum psicólogo que possa entendê-la! Nenhum psicólogo vai ajudar!» Quando o ator pensa na Ortodoxia, vem naturalmente a pergunta: «Até que ponto a fè ajuda, ou atrapalha, na vida profissional». Honestamente, a resposta mais frequente é: A fé e a profissão têm uma ligação mínima uma com a outra. As palavras de Fernanda Torres destroem o estereotipo: «Vejam só: a missa ortodoxa parece exteriormente muito teatralizada, embora, é claro, nada tenha em comum com o teatro — isto é, com a representação teatral. Mas, ainda assim, ela obriga a atentar para o que acontece — o que você faz, as palavras que você pronuncia, a música que você ouve. Hoje, durante a cerimônia sacramental não foi simplesmente um voltar-se para o Ocidente e depois retornar ao oriente: o que fizemos foi um movimento consciente, porque o sacerdote explicou que este ato simboliza a renúncia a satanás. Isto é tremendo! Pois isto é conhecimento, com o qual vou encarar o teatro! Por isto parece-se me que a Ortodoxia só pode enriquecer a profissão artística». Antes da celebração do batismo Fernanda saiu da igreja com os olhos vermelhos de lágrimas. «O padre Basílio foi firme ao dizer que os dois padrinhos não podem ser católicos e que o batismo só é possível se a tia adotar a Ortodoxia. E vocês sabem, eu chorei...» - contou a atriz. Mais tarde Fernanda explicou que foram lágrimas... de alegria. «Vi com meus olhos como o sacerdote permaneceu fiel ao que é imutável nos séculos», -prosseguiu. Seria possível supor qualquer motivo para as lágrimas (que fossem até lágrimas de alegria), menos este. Entretanto, Fernanda explicou: «Simplesmente, a Ortodoxia tem um traço muito atraente para mim: Não muda suas tradições para se conformar aos tempos e ventos modernos». Há uma idéia que se estabeleceu, de que a aquisição da fé traz a necessidade de renunciar a algumas coisas e mudar em alguns aspectos. Fernanda reconhece que não sente isto. Talvez por agora. Porém, sente algo totalmente diferente: «Veio-me algo muito importante, foi-me acrescentado algo muito valioso. No mínimo, através da Ortodoxia vou poder aproximar-me ainda mais da cultura russa. Para mim já significa muito, muito».
Na casa do pároco do templo de Santa Zenaide (da esquerda para a direita): A avó Irina, Elizabeth Waddington, Denis Mikhan'ko, diretor da filial de São Peterburgo da revista «Foma» (Tomé), Gilberto Gil, ministro da cultura do Brasil, Fernanda Torres e Andrucha Waddington.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Memória Eterna


Sua Exa. Revma CHRISTÓDOULOS, Arcebispo de Atenas e Toda Grécia, depois de sua luta de 7 meses contra um câncer de fígado e intestino, faleceu hoje, dia 28 de janeiro aos 69 anos em sua residência episcopal.

Nascido em 17 de janeiro de 1939 em Xanthi, no nordeste da Grécia, Christodoulos foi eleito primaz vitalício em 1998, e foi o arcebispo mais jovem da Grécia e com idéias nacionalistas e religiosas que levantavam grande polêmica na sociedade grega, que em 97% são de religião ortodoxa.

Durante sua carreira, incitou seus fiéis a sair às ruas em protesto contra os bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Sérvia (1999) e criticou toda negociação sobre a manutenção da palavra "macedônia" pelo novo estado ex-iugoslavo da Macedônia.

Suas idéias se voltavam contra "as regras da União Européia (UE)", que considerava o centro de decisões contra os interesses gregos e se expressava também contra a entrada da Turquia no bloco.

Em 2000, Christodoulos voltou a ocupar as manchetes com a convocação de manifestações em massa nas principais cidades gregas, reunindo 300 mil ativistas em Atenas, contra a decisão do então Executivo socialista de suprimir a indicação de "religião" nas novas células de identidade nacional.

O Sínodo da Igreja Ortodoxa grega se reunirá hoje de forma extraordinária para decidir os detalhes do funeral e da eleição de seu sucessor. Segundo a tradição, o enterro será realizado na próxima quarta-feira e a escolha de um novo arcebispo deve de acontecer dentro de 20 dias.

Que o Senhor nosso Deus se lembre no Seu Reino do Arcebispo Christódulos.

OrtoFoto

autor: Dragan Vorgić

"Os olhos são a luz do corpo - Mt. 6, 22-33"

Metropolita Anthony de Sourozh
http://www.metropolit-anthony.orc.ru
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Entramos em contato com o mundo e dele tomamos conhecimento através dos nossos sentidos; e através de todos os nossos sentidos não só tomamos consciência do mundo, como também nele estamos envolvidos; todos os nossos sentidos nos colocam em contato com o mundo dos objetos, com todas as coisas a nossa volta, como também nos apresenta sensações e impressões imediatas que, por vezes, nos modificam profundamente.

A nossa vista, da qual o Senhor nos fala hoje em Seu Evangelho, é o único modo pelo qual podemos tomar conhecimento do mundo serenamente, em completo repouso de todas as energias de nosso humano ser, com a condição, como diz o Senhor, de que nossos olhos sejam puros e luminosos, que a vista permita apenas a luz entrar no nosso entendimento através dela.

Um dos escritores ingleses modernos nos dá duas imagens que eu acredito nos permitirá entender algo desta passagem dos Evangelhos. Num romance, ‘All Hallows Eve’ (Todo louvor a Eva), Charles Williams nos apresenta uma jovem senhora que morreu num acidente e cuja alma gradualmente encontra seu caminho no novo mundo no qual penetrou.

Ela dá conta de si às margens do Tâmisa; ela mira as águas, e subitamente vê as águas do Tâmisa como nunca as vira no passado, quando sua alma era dotada de um corpo; então, sentia uma repulsa por essas águas escuras, oleosas, sujas, porque sua imaginação imediatamente conectava aquelas águas com o tato e impressões imediatas do corpo.

Mas agora, essa alma está livre do corpo e ela vê essas águas do Tâmisa livremente, tal como são, como um fato; ela vê que aquelas águas são exatamente o que deveriam ser, sendo as águas de um rio que corre por uma cidade grande, juntando toda a sujeira dela e a levando embora. E por ela não ter mais a costumeira repulsa do corpo e da imaginação, essa alma, através da opacidade daquelas águas, começa a ver nelas mais e mais profundamente; no fundo, ela descobre uma camada de água mais pura, uma maior translucidez, e ainda mais além e mais profundo, uma camada transparente; e nas profundezas daquelas águas que cruzam a cidade grande – e essa cidade é também chamada a ser, um dia, a cidade de Deus – ela vê uma corrente de águas extremamente límpidas, a água da vida eterna, a água primordial criada por Deus, a água sobre a qual Cristo fala à mulher samaritana; porque ela estava livre da reação pessoal e da repulsa, a falecida podia ver, através do negrume superficial, as sucessivamente mais claras camadas de luz.

Por estarmos sempre emaranhados em nossas reações auto-referentes, tendemos a ver através das camadas de luz, de algum lugar, uma escuridão que eventualmente criamos ou imaginamos; por estarem nossos olhos escurecidos, enxergamos a escuridão e nos tornamos incapazes de ver a brilhante translucidez lá no fundo.

Uma outra imagem que encontramos no mesmo livro talvez seja ainda mais trágica. Essa jovem senhora encontra-se parada em uma das pontes; ela sabe que aquela ponte não pode estar vazia, que as pessoas estão andando e os ônibus passando, que há vida no entorno; no entanto, ela nada vê ou percebe de tudo aquilo, pois, separada de seu corpo, ela só pode ver agora aquelas coisas e pessoas com as quais conectava-se pelo amor. E, como não amou ninguém a não ser seu marido, fica cega a todas as coisas em volta dela; há apenas o vazio, nada.

E é somente quando ela se torna mais e mais consciente de todo o amor - através daquele pouco amor que teve em sua vida, mesmo diminuto - que se conecta com esse amor único, com outras pessoas e outras coisas que lhe eram caras, e que ela começa a ver.

Não é este o modo como vivemos? Somos cercados de luz e nada enxergamos além de sombras flutuantes e o vazio. Quão freqüentemente um ser humano passa por nossas vidas sem deixar rastro algum, passa sem ser notado, apesar do fato de que havia uma necessidade ou havia uma luminosa beleza; mas, aquilo era irrelevante para nós, nosso coração não tinha nada com o quê responder àquilo, e lá estamos num ermo inóspito, mesmo cercados de riquezas.

Isto vem, novamente, do modo como enxergamos, como olhamos sem amor, e nada vemos; porque, só o amor pode nos revelar as coisas. E também, somos capazes de olhar de modo negro e mau: quão frequentemente fazemos más interpretações sobre as coisas que vemos? Em lugar de vê-las como fatos, enxergamo-las pelo entendimento de nossas almas enegrecidas e pela nossa experiência deturpada. Quão frequentemente interpretamos mal as ações e as palavras das pessoas, porque as vemos com um olhar enegrecido de antemão!

Assim, a palavra de Cristo nos conclama a uma atitude extremamente cuidadosa em relação ao modo como olhamos e enxergamos; devemos nos lembrar de que, se nada enxergamos, é pela nossa própria cegueira; se enxergamos o mal – ele vem da escuridão interior; se sentimos repulsa pelas coisas, freqûentemente isto é por causa do modo como ficamos centrados em nós mesmos e não podemos olhar com serenidade, com pureza de coração. Pois, afinal, enxergamos não apenas através dos nossos olhos físicos, que nos transmitem impressões, mas também através de um coração, que só pode ver Deus quando for puro. E, não apenas Deus em seu Ser Misterioso, mas Deus em sua Presença, através da graça e da beleza e da benção. Santo Isaac, o Sírio, diz que um homem que tenha um olhar límpido e um coração puro não mais enxerga a escuridão no mundo, pois ela é superada pela luminosidade da graça divina, operando e repousando em todas as coisas, não importando quão negras elas possam se mostrar.
Ao menos, aprendamos esta lição do Evangelho: sejamos cuidadosos em olhar com pureza, em interpretar com pureza de coração, e ajamos a partir do amor, para que, assim, sejamos livres para ver as transparências e luminosidades do mundo e no mundo. E, amá-lo, servi-lo, e estar neste mundo no lugar a nós designado por Cristo, abençoando em Seu próprio nome, acreditando nas coisas, tendo esperança em todas as coisas, e nunca cessando de amar, mesmo quando o amor significar entregarmos nossas vidas, seja a vida do velho Adão, que deve morrer para que o novo Adão viva, seja a vida do Novo Adão, que dá sua vida para que o mundo e os outros possam viver. Amém.
Boletim Interparoquial

domingo, 27 de janeiro de 2008

Irmos

Irmos (do grego είρμός, “cadeia”, “ligação”, “continuação”, “elo”; plural είρμόςι). Um título aplicado à estância de abertura de cada ode do cânon. Nos livros litúrgicos, o Irmos designa o primeiro tropário de cada uma das odes de um cânon. O Irmos possui uma função musical: é o modelo de ritmo e de canto para a execução dos tropários que o seguem. O papel do Irmos é também textual: por seu conteúdo, ele une o tema da ode bíblica com o da festa celebrada nos tropários. Mas, às vezes também, o Irmos constitui uma simples paráfrase de um ou vários versos da ode bíblica, ou, ao contrário, que seja unicamente consagrado à festa celebrada. Por exemplo, no cânon das Matinas de Páscoa, o Irmos cumprem bem seu papel ao celebrar a Ressurreição do Salvador graças a uma série de alusões aos temas das odes bíblicas, mostrando a realização das profecias na obra salvífica de Cristo. No texto original grego, todos os tropários restantes na ode seguem o mesmo ritmo do irmos. Em termos de conteúdo ele funciona como um “elo”, unindo:


  • O tema do cântico bíblico primordial, que a ode do cânon deve seguir.

  • O tema da festa ou comemoração do dia, que é desenvolvido nos tropários que se seguem.

O irmos é cantado, enquanto os outros tropários que se seguem em uma ode são lidos. Quando mais de um cânon é usado, como é sempre o caso em Matinas, exceto em uma ou duas das Grandes Festas, apenas o irmos do primeiro cânon é cantado. Um conjunto particular de irmos pode ser cantado com katavásia, quando um cânon é lido. Os irmos do Octoecos, especialmente, assim como muitos outros, são baseados nas odes (cânticos) bíblicas.

sábado, 26 de janeiro de 2008

“O significado e a força da palavra”

Nossos relacionamentos, ocorrem principalmente através de palavras, e não é sem significado esta forma de relacionamento. Nossas palavras são o reflexo da Palavra que se tornou vida. Deus disse: “Que se faça a luz.” E o invisível através da palavra tornou-se vivo. A palavra tem uma força imensa no mundo. “Pela palavra do Senhor se firmaram os céus; e pelo espírito da sua boca (formou-se) todo o exército” (Salmos 32:6). Em cada um de nós a palavra oculta revela-se, o secreto torna-se evidente. Relacionando-se com os outros através da palavra nós procuramos para si o bem, pois queremos tê-lo dentro de nós. A palavra que tem dentro de si o bem, ilumina a nossa vida. Se numa conversa uma palavra boa trouxe força dentro de si, então por um longo tempo nós reteremos um sentimento de algo precioso, familiar a nós, divino. A palavra deve nos aproximar, trazer a união, e não a separação e o conflito. A palavra quando encontra um ambiente favorável, cria um resultado formidável, que tem um significado enorme em todo o plano de nossa vida.

Mas nós permanecemos em pecado. Nossas palavras se enfraquecem com os nossos pecados e não tomam vida com força. Somente as palavras desvinculadas do pecado surgem com plena força, pois aí elas unem-se à Palavra que criou o mundo. Nossas palavras, vindas de cantos remotos de nossa alma, não enfraquecidas pelos pecados, com plena força do bem existente em nós, vindas para a superfície, trazem o bem e a luz, pois estão ligadas com a Fonte de luz Deus-Palavra. Elas tornam-se vida.

Espalhando palavras sem dar a devida atenção a elas, nós não temos consciência que elas podem trazer conflitos e desunião na família, na sociedade, no mundo. Uma vez estando no meio de uma conversa nós normalmente começamos analisando algum fato qualquer e rapidamente passamos a julgar, esquecendo-nos que isto é pecado. Julgar é uma enfermidade que destrói as nossas vidas. Ela separa as pessoas, distanciando uns dos outros, e enfraquece aquilo de bom que existe em nós. A palavra deve ser criativa em nossas vidas, colher o bem, trazer união, concordância, e não a separação, fragilidade e morte. E como é importante que a palavra que espelha o Logos na Terra, traga para nós a luz e a alegria de viver no meio de uma atmosfera de agressividade e desunião onde nós vivemos. Com palavras nós freqüentemente descrevemos nas pessoas características que elas não têm e desconfiamos daquilo que na realidade não existe. Esta forma de uso da palavra somente semeia entre nós o conflito. A boa palavra quando encontra um solo adequado provoca uma enorme e positiva revolução no ambiente, move montanhas. Nós vemos isto freqüentemente na história da humanidade.

Nossos relacionamentos através de palavras não são indiferentes. A palavra pertence à eternidade, e nossas palavras não se perdem assim sem querer e dirigem-se à eternidade. Precisamos utilizar as palavras de tal forma, para não ter que responder por elas no Juízo Final, como foi dito: “Ora, eu digo-vos que de qualquer palavra ociosa que tiverem proferido os homens, darão conta dela no dia do Juízo” (Mateus 12:36). É necessário que nossas palavras não sejam a nossa sentença no dia do Juízo. “O que me despreza e não recebe as minhas palavras, já tem quem o julgue; a palavra que eu anunciei, essa o julgará no último dia” — disse o Senhor (João 12:48). A luz veio à Terra e nós não a enxergamos. O bem não está fixo em nós. O bem desfocado não está nos iluminando e nós não estamos percebendo aquela força que está dentro dele. Nós precisamos no relacionamento com os outros procurar o que existe de comum, se desligando de tudo o que nos afasta uns dos outros. No que diz respeito aos pecados que existem nas pessoas, o Senhor julgará e Ele próprio separará os pecadores e cobrará de cada um de acordo com seus atos. Nós somos nossos próprios juízes, pecando na Terra. O Senhor disse: “Se alguém ouvir as minhas palavras e não as guardar, eu não julgo, porque não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo” (João 12:47) Nós também precisamos nos esforçar para não julgar. Nós devemos procurar o bem na Terra. O Reino do Céu — luz e alegria — está aqui mesmo dentro de nós. Precisamos combater nossas atitudes inadequadas, essa escuridão, que é plantada pelo mal em nossos corações. Lutando com o pecado nós ajudamos ao Senhor consolidar Seu Reino dentro de nossos corações, e através de nós também na Terra.

É difícil combater o pecado. O orgulho, a crítica, a irritação e a vaidade — são todos espinhos que ferem a nós mesmos e aos que nos cercam. É necessário arrancar estes espinhos — mesmo que isto seja dolorido. Esta é uma cruz. Porém, reconstruindo nosso coração - lá dando espaço ao Senhor, nós sentimos alegria. A luz de Deus então ilumina o nosso coração. Não é à toa que se canta: “Através da Cruz vem alegria ao mundo.” A Cruz erguida constrói o Reino de Deus na Terra, para a saudação de Deus. O esforço no combate aos nossos pecados é a crucificação das nossas imperfeições e desvios de caráter. Esta é Cruz que todos nós temos tanto medo. Claro, a Cruz é pesada e mesmo Cristo caía sob o peso dela, mas através da Cruz é que se enxerga a alegria da salvação. A idéia da ressurreição é a idéia da vitoriosa força do bem. Através do combate do pecado chega nossa ressurreição: “Jesus ressuscitado, ressuscite nossas almas!”

Conversando, nós freqüentemente começamos a julgar e criticar, mas sentimos vergonha de falar sobre o bem. “Talvez as pessoas irão rir de nós!” E daí?: Por Cristo podemos tolerar. O mal tem medo de uma boa palavra e o ridiculariza. A nossa boa palavra é uma força criadora, pois ela tem a mesma raiz que tem o Verbo de Deus. Através da palavra, com força Divina, é vencido o mal que surge. A palavra existe até mesmo no silencio: é a palavra interna. Mesmo a palavra não dita, tem sua força. Freqüentemente a boa palavra passa pelo filtro da ridicularização e da falta de apoio, mas nós não devemos ter medo disto. Ela atravessa este filtro e brota como uma semente. Para brotar, a semente com a ajuda de Deus, atravessa o filtro de terra, cresce e brota na superfície. É assim que uma boa palavra tem um começo criativo. “Por quem tudo foi feito.” Não tenha medo de dizer uma boa palavra. A palavra que encontrar um solo adequado, poderá transformar-se em vida e trazer um fruto generosíssimo. Se à palavra une-se o mal, ela perde a sua força. Nós privamos a palavra de uma força poderosa, inserindo nela a morte. E a palavra no lugar da verdade traz a nós o conflito, a morte. Não lutando contra o mal, eu trago com a palavra o conflito, e ela irá a julgamento, no dia do Juízo Final.

Quando começa a surgir dentro de nós uma nova palavra nós devemos voltar-nos a Deus pedindo ajuda. Voltados a Deus, nós trazemos a luz do céu e ela penetra dentro de nós, então a palavra que está nascendo traz luz ao mundo torna-se criativa e une as pessoas. A escuridão tem medo da luz. Sem percebermos, através de uma ácida autocrítica nossa vontade diminui. Nós temos medo de pronunciar uma boa palavra, revelar-se, enquanto o mal se alegra de sua ação enfraquecendo-nos. A plenitude da energia do bem fica encoberta pelo medo da humilhação. Nosso desafio é afirmar que: nós rejeitamos a força do mal e acreditamos no bem.

O ser humano parece sempre estar esperando por alguma coisa. Neste momento, nós não podemos ficar esperando nada, é preciso agir. Nada de afirmar; eu não sou um lutador. Você é um lutador com as armas que você possui. É necessário fazer força para dizer sempre uma boa palavra. Esta é a missão que o Senhor dá para cada um de nós. O bem é corajoso. A boa palavra, que carrega o bem dentro de si, desperta a luz nas almas dos semelhantes e nas almas obscurecidas desmascara a escuridão. O pecado traz a nós uma vida de ilusões. O bem traz a vida real que se estende à eternidade. Quando dizemos uma boa palavra, é como se nós abríssemos o céu e penetrássemos na eternidade. E a boa palavra torna-se a pedra fundamental daquela habitação que é preparada para nós pelo Próprio Senhor, assim como Ele preparou a morada para o ladrão crucificado a Seu lado na hora final. A boa palavra traz por si só, o bem e a alegria desta vida e da próxima — na vida eterna nos dará a graça de podermos ver a Deus. Assim como a semente na parábola do semeador, exatamente assim a boa palavra, caindo sobre um solo receptivo, dará frutos, em trinta, sessenta, cem vezes mais.

Arcebispo Sergio Korolev de Praga (1881-1952)
Traduzido por Boris Petrovich Poluhoff
http://www.fatheralexander.org/

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

“A luta com o pecado”

Cada pecado é uma infelicidade para nós e para todos os que nos cercam. O pecado é o início do que nos separa, distancia e repele das pessoas. O pecado não expurgado está firmemente cravado em nosso coração e separa as pessoas uma das outras. Cada vitória sobre o pecado é a reconquista de si mesmo e dos outros para uma vida de compreensão mútua entre todas as pessoas. Na vitória sobre o pecado abre-se uma atração mútua e um sentimento de irmandade entre as pessoas de forma natural: vencendo o pecado dentro si, o ser humano ajuda aos outros, até mesmo sem consciência e vontade destes, ele abre as suas melhores qualidades da sua alma e quase que sem querer leva-os para o bem. Vencendo o pecado dentro de si, reavivando no íntimo de seu ser os melhores aspectos, o ser humano com isso mesmo abre o tesouro espiritual existente também dentro dos outros e ajuda-os a encontrar em si mesmos, aquilo que eles nunca perceberam antes.

O bem encontra eco no meio daquelas pessoas que o tem, mas que ainda não o perceberam. O ser humano enquanto sob o domínio do pecado, parece que tem medo de outras pessoas, mas a partir da vitória sobre o pecado, ele contamina com o bem o seu próximo e a todos os que o cercam. Isso é muito importante compreender e experimentar, porque normalmente em nós predomina um sentimento pessimista e nós temos a impressão que o mal dominou o mundo. Esse pessimismo impede a luta com o pecado e diminui a luta ativa contra ele.

Num contato superficial com uma pessoa, nós não vemos nada e não podemos perceber o tesouro do bem inaproveitado e que pertence a ela. Aquele que vence o pecado em si, desperta no outro essas forças do bem e estes aspectos da alma do outro, que são riquezas originadas pelo bem. Quando uma pessoa em pecado, percebe seu próximo fazendo atos bons, ele também adquire forças para uma atividade cristã. Enorme, incomparável é a alegria em procurar o bem em si e nos outros. Aumentando o bem no mundo é que se revela a força da graça de Deus que se revela ajudando aos nossos enfraquecidos esforços, a fazer aquilo o que sem ela seria completamente impossível. Freqüentemente na vida, o ser humano “comete um pecado que não deseja” (São Paulo). Este prisioneiro do pecado encontra no bem de outra pessoa, a força que o empurra para o bem em sua vida cotidiana.

Para uma real felicidade e não ilusória, é necessário vencer o pecado. É necessário permanentemente prestar atenção naquilo, o que move o ser humano externamente e no que o dirige internamente, examinando seu comportamento e vontades. Este esforço não é fácil, mas nos relacionamentos entre as pessoas — é a vida. É necessário iluminá-los com a luz da Verdade de Cristo, para que estes relacionamentos não sejam nocivos nem para nós e nem para as pessoas que se relacionam conosco. Se existe paz na alma, então esta alegria não será perdida nunca. O conflito sempre traz a infelicidade. Se o ser humano tem dentro de si a paz, então seu coração pacífico lança luz sobre tudo. A paz no coração é a principal conquista. As ações originadas por um coração assim, transformam todos os relacionamentos para o bem. O estado em pecado, através da irritação vinda de outros, se confrontado pela nossa irritação controlada, transforma-se para o nosso bem em algo que cria para nós e para os outros um bom estado de espírito, - pois com esta atitude nós congelamos a irritação dos outros. Aqui há também um benefício para aquele que se revelou modesto ou humilde e para quem estava irritado. Daqui é que vem a felicidade na vida. A vitória de um contra seus pecados e o esforço para a salvação — gera o bem comum a todos.

O bem, como força positiva, desenvolve e traz à vida o bem adormecido nos outros, fechado até o momento pela passividade e também pelo ataque do mal. O bem cria uma atmosfera que é uma forte ajuda no combate contra o mal na vida cristã. Às vezes parece que o esforço para eliminar o mal em nós é egoísta e que tal pessoa está preocupada apenas consigo mesma e desligada do bem comum. Mas isto não é assim. O ser humano, que não conseguiu ainda vencer seus pecados, não consegue gerar uma influência positiva sobre os que o cercam, não pode ajudar aos outros e nem comemorar em conjunto a vitória deles sobre seus pecados.

Ele não pode agir para o bem comum com aquele benefício e força, se tivesse vencido em si mesmo o pecado. A santidade é uma enorme benção e força. Decididos de fato a ajudar os outros, nós, antes de mais nada, devemos nos limpar de todos os hábitos e tendências de pecar, ficarmos limpos e levar uma vida de acordo com Deus. É na medida de nosso aperfeiçoamento que podemos ser úteis aos nossos semelhantes em seus problemas e dificuldades. Este é o único caminho para ajudar aos outros. Aquele que conquista a santidade, conquistou a máxima capacidade de ajudar aos outros. Basta lembrar os nomes de São Sergio Radonejsky e São Serafim de Sarov, para nos convencermos disso. Em direção a eles acorriam imensas quantidades de pessoas de todas as partes e eles sempre tinham capacidade de ajudá-los em todas as necessidades. Eles serviam à comunidade e serviam da melhor forma possível, trazendo ao mundo o bem verdadeiro: eles próprios sabiam através de sua experiência de vida, o que é o bem e por isso podiam ensiná-lo a todos. Os seres humanos aos olhos de Deus são organismos com objetivos. As diversas aparições de santidade limpam todo o organismo. Salvando a si próprio, nós introduzimos uma parcela da salvação na salvação de toda a humanidade.

A melhoria interna do ser humano acontece não apenas no instante de grandes desafios, mas principalmente na repetitiva vida cotidiana. O objetivo do ser humano — é o equilíbrio de sua vida interior e a construção em si mesmo do Reino dos Céus. Lutando com o pecado, consolidamos em nós e no mundo a vida de Deus. O combate com o pecado expõe também as verdades supremas e nós aprendemos a conhecer melhor a vida de Deus. Uma vida assim é a construção do Reino dos Céus em toda sua força. Tornam-se mais compreensíveis as palavras da oração ao Senhor “ Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade.”

Quando nós, vencendo o pecado e superando rupturas, voltamos a unir-nos, então os nossos pensamentos e vontades tornam-se comuns, nós pensamos de forma idêntica. Nessa identidade de sentimentos e vontades nós começamos a compreender a vontade de Deus e o que é esperado de nós. É aquela unidade pela qual orava Jesus Nosso Senhor. Essa identidade e união no amor — não são ideais distantes, mas o esforço fundamental para estabelecermos nossa vida. Nós conseguiremos nos aproximar dele, se nós descobrirmos nossas semelhanças espirituais. A questão da salvação da alma não é uma questão teórica, mas o caminho da ação. Infelizmente, nem todas as pessoas que freqüentam igrejas compreendem isto. Vencer o pecado é necessário para uma aproximação mútua e para a concretização de nosso esforço fundamental.

O pecado que mora em nós, nos obscurece e nos obriga a inventarmos desculpas perante nós mesmos. Este auto-engano vem a nós pelo demônio. Enquanto em nós não despertar a consciência, atenta não apenas a pecados isolados — raramente teremos consciência de todos nossos pecados. Com os nossos pecados em qualquer ambiente nós traremos conflitos, porém cada batida do coração dirigida para o bem, é a medida que faz a diferença. Nossas desculpas e justificativas pelos nossos pecados — são inimigos de nossa salvação. Somente a consciência do perigo que é o pecado desperta a vontade de lutar contra ele. Nós somos indiferentes ao pecado enquanto não tomamos consciência que ele nos retira a felicidade. Nós consideramos o pecado como nossa natureza. “Eu sou assim, assado e não posso ser de forma diferente” — “este é o meu caráter.” Mas o caráter não é algo, com o que nós não podemos lutar. Com a decisão para começar a lutar com o pecado, é necessário lembrar, que ele não é integrante de nossa natureza, mas que ele aderiu a nós. Nossos mais distantes antepassados foram criados sem pecado. O pecado é algo externo que penetra em nossa natureza, se adapta a nós, escolhe para se fixar naqueles aspectos mais convenientes a ele em nossa alma criada por Deus. O pecado nos aprisiona, penetra em nós, no início como uma forma desconhecida, mas que depois faz com que tudo seja misturado a ele. É muito importante estar atento ao fato que o pecado é um estranho ao nosso ser: isso ajuda a combatê-lo. O momento de iluminação vindo do Senhor, quando nós tomamos consciência de nossos pecados, inicialmente é ligado à nossa força de vontade, pois o pecado escraviza a nossa força de vontade. Uma “Vontade fraca” vem do demônio. Mas e se o que vem de nós está misturado com o pecado, como nós iremos vencer a nós mesmos? Para que dentro de mim surja a força de vontade para lutar com o pecado, é imprescindível ter consciência que o pecado não é parte de nós. Este conhecimento dá forças à vontade no combate ao pecado.

Arcebispo Sergio Korolev de Praga (1881-1952)
Traduzido por Boris Petrovich Poluhoff
http://www.fatheralexander.org/

Ikos

Do grego οίκος (casa), a estância ou estrofe que segue imediatamente o kontákion, entre os cânticos seis e sete do cânon de Matinas. Também, refere-se a uma das divisões de um Acatiste.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

OrtoFoto

Mosteiro de Yuryev
autor: Denis Makhanko

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Idiomélio

Do grego idiomelon de idio, próprio, e melon melodia, tom (plural idiomela). É um estikério que originalmente, tinha seu próprio tom, e não seguia nenhum outro. São encontrados, geralmente, nos ofícios das Grandes Festas.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

OrtoFoto

autor: Alicja Ignaciuk

Oração de São Simeão, o Novo Teoólogo

Meu Deus, porque gostas de perdoar,
faze crescer em mim o brilho
de Tua luz inacessível,
para encher de alegria o meu coração.
Ah! Não Te irrites, não me abandones,
mas faze minha alma resplandecer
de Tua luz,
porque a Tua luz és Tu mesmo,
ó meu Deus!
Afastei-me do caminho reto e divino,
lamentavelmente caí da glória
que me fora dada.
Fui despojado da veste luminosa e divina,
caí nas trevas e nelas estou caído,
e não sei que estou privado de luz.
Mas Tu que és todos os bens,
Tu os dás, incessantemente, aos Seus servos,
aos que vêem a Tua luz.
Quem possui, possui tudo,
realmente, em Ti.
Que eu não fique privado de Ti,
Mestre e Criador!
Humilde estranho que sou, ó Misericordioso.
Põe-me junto de Ti,
mesmo se pequei mais que todos os homens.
Acolhe minha oração como a do publicano,
como a da prostituta,
mesmo se eu não choro como chorava ela,
mesmo se não te enxugo os pés
da mesma maneira
e se não gemo nem me lamento
do mesmo modo.
Tu és a fonte de piedade, manancial
de misericórdia, rio de bondade.
A esses títulos, tem piedade de mim!
Tu que tiveste as mãos
e os pés pregados à cruz
e Teu lado aberto pela lança,
ó Senhor tão compassivo,
tem piedade, tira-me do fogo eterno,
faze que Te sirva como devo,
não mereça condenação,
mas seja acolhido em Teu festim de bodas,
onde partilharei de Tua felicidade,
meu bom Senhor,
na alegria inexprimível,
por todos os séculos. Amém.

domingo, 20 de janeiro de 2008

OrtoFoto

The Kiev caves
autor: Saida Afonina

sábado, 19 de janeiro de 2008

Iconostase


Do grego είκονοστάσιον. Uma parede ornamentada com ícones separando o santuário do corpo da igreja, e aberta por três portas. Nos tempos primitivos, a Iconostase era provavelmente uma tela colocada na parede no extremo oriental da igreja (uma tradição ainda preservada na Rússia pelos velhos crentes ou velhos-ritualistas*), mas posteriormente foi trazida da parede para frente como uma barreira entre a Nave e o Altar, com a abertura de cortinas tornando o Altar visível ou invisível, anteriormente somente cortinas separavam o Altar da Nave, tais cortinas remontam ao templo de Jerusalém, quando estas separavam o Santo dos Santos do restante do templo. Somente bem mais tarde depois do 7º Concílio Ecumênico e do ano 843 quando cessaram definitivamente as polêmicas iconoclastas e, principalmente, depois da queda do Império Bizantino (século XV) é que a Iconostase toma a forma parecida com a atual.


Os Santos Padres da Igreja previram o prédio da igreja como consistindo de três partes místicas. Assim, de acordo com São Simeão, o Novo Teólogo “o vestíbulo, corresponde à terra, a nave corresponde ao céu, e o santuário, ao que está acima dos céus”. Seguindo estas interpretações, a Iconostase possui, também, um significado simbólico. É como se fosse o limite entre dois mundos: o Divino e o humano, o eterno e o transitório. Os santos ícones indicam que o Salvador, Sua Mãe e os Santos, de quem eles representam habitam tanto no Céu como entre os homens. Assim, a Iconostase, tanto separa o Mundo Divino do mundo humano, quanto une estes dois mundos num todo – um lugar onde toda separação é superada e onde a reconciliação entre Deus e o homem é conseguida. Situando-se no limite entre o Divino e o humano, a Iconostase revela, por meio de seus ícones, os caminhos para esta reconciliação.


As portas centrais, duplas, com uma cortina, são conhecidas como Portas Reais por que através delas é que saem e entram os Santos Dons, o Santo Cálice com a Eucaristia (o Rei da Glória) e a Santa Cruz. As portas laterais são chamadas de porta norte e porta sul, ou portas de diácono e são ornamentadas com os ícones dos arcanjos Miguel (porta sul) e Gabriel (porta norte).


Uma Iconostase típica (russa) consiste de uma ou mais fileiras de ícones. No centro da primeira, a mais baixa, onde estão as Portas Reais, nas quais estão colocados os ícones dos quatro Evangelistas que anunciaram ao mundo a Boa Nova – o Evangelho – do Salvador. No centro das Portas Reais está o ícone da Anunciação da Santíssima Theotokos, já que este evento é o prenúncio e o começo da nossa salvação. Sobre as Portas Reais é colocado um ícone da Última Ceia já que, mais adiante no Altar, o Mistério da Santa Eucaristia é celebrado em memória do Salvador que instituiu este sacramento na Última Ceia.


De cada lado das Portas Reais estão sempre colocados o ícone do Salvador (à direita) e o da Santíssima Theotokos (à esquerda). De cada lado das Portas Reais ao lado dos ícones do Salvador e de Sua Mãe, existem duas portas - as Portas de Diácono – onde estão representados Diáconos ou Arcanjos – que sempre servem no Altar Celeste ou como o fazem, os Diáconos, no Altar terrestre durante os Ofícios Divinos. Mais adiante do lado do ícone do Salvador é colocado o da igreja, isto é, o ícone do Santo ou evento em honra do qual a igreja foi denominada e dedicada. Outros ícones de significância particular local são também colocados na primeira fileira, por esta razão a fileira inferior é comumente chamada de ‘ícones locais’.


*Cisma ocorrido dentro da Igreja Russa na metade do século XVII, devido às reformas promovidas pelo Patriarca Nikon (1605-1681), parte do clero (bispos e padres) não aceitou as mudanças. Infelizmente, este cisma perdura até os dias de hoje.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Horas Reais

Horas Reais ou Horas Canônicas Reais, semelhante em estrutura às Horas Canônicas, entretanto, possuem Salmos próprios e são acrescentados: um Prokimenon, uma incensação, leituras próprias do Antigo e do Novo Testamento e uma leitura de Evangelho, para cada uma das Horas Canônicas. Celebradas seqüencialmente e seguidas imediatamente pelo ofício de Típika como se fossem um só ofício, nas Vigílias da Teofania e do Natal, assim como na manhã de Sexta-Feira Santa. Assumiram esta denominação, pois no tempo do Império Bizantino era costume do imperador assisti-las de seu lugar exclusivo dentro da igreja.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

OrtoFoto

A Bíblia e o Celular

Já imaginaram o que aconteceria se tratássemos a nossa Bíblia do jeito que tratamos o nosso celular?

E se sempre carregássemos a nossa Bíblia no bolso ou na bolsa?
E se déssemos umas olhadas nela várias vezes ao dia?
E se voltássemos para apanhá-la quando a esquecemos em casa ou no escritório... ?
E se a usássemos para enviar mensagens aos nossos amigos?
E se a tratássemos como se não pudéssemos viver sem ela?
E se a déssemos de presente às crianças?
E se a usássemos quando viajamos?
E se lançássemos mão dela em caso de emergência?

Mais uma coisa:

Ao contrário do celular, a Bíblia não fica sem sinal. Ela “pega” em qualquer lugar. Não é preciso se preocupar com a falta de crédito porque Cristo já pagou a conta, e os créditos não têm fim.

Texto retirado da internet, autor desconhecido

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Hipakoi

Do grego ύπακοή, de ύπακούω: escutar, dar ouvidos. Um tropário cantado em Matinas nas Grandes Festas e domingos:

  • Nas Grandes Festas (algumas poucas) ocorrem após a terceira ode do cânon, sendo às vezes, neste caso, designado por catisma-poético;
  • Aos domingos aparece no final da leitura do saltério (isto é, após o Evlogitaria da Ressurreição (tropários da Ressurreição) e Pequena Litania;
  • o Hipakoi de domingo também é lido no ofício da Meia-noite daquele dia, após o cânon à Trindade.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

"Caminhando no Amor"

“Isto é amor; que caminhemos de acordo com Seus mandamentos. E este é o mandamento: como o tende ouvido desde o princípio, deveis nele caminhar”

Como é fácil dizer “eu te amo”! Mas, colocar seu amor em ação é um pouco mais difícil. Repare nas caminhadas de amor que fazemos liturgicamente: em volta das pias batismais, do tetrápode nas bodas, e em volta do altar nas ordenações. Sempre no sentido anti-horário, elas sumarizam o passado e seguem Cristo rumo ao futuro. Todas elas são repletas da alegria da antecipação, sinais da promessa futura. Ficamos felizes e desejosos de caminhar no amor expresso nas datas desses eventos únicos – isto é agradável. Mas, caminhar no amor e prosseguir com ele quando aquele que amamos está doente, aborrecido, ou passando por tempos difíceis – ficar com eles quando não estão com disposição para o afeto não é muito engraçado. Caminhar no amor em direção às casas de repouso e visitar os que não podem mais caminhar pode, por vezes, ser penoso. Ir ao tribunal com aquele que amamos, ou visitar os detentos, os hospitalizados, os que estão em privação e nos oferecer para dissipar a angústia de que sofrem requer um amor que nos é dado pela graça de Jesus Cristo por meio do Espírito Santo. Se você não estiver disposto a caminhar na e através da experiência de morte daquele que você diz que ama, você não atingiu o estado de amor pedido a um verdadeiro cristão.

Acompanhar alguém que amamos quando a polícia liga para comunicar um acidente com um membro da família dele, ou do hospital, quando alguém está em estado crítico – é aí que o amor é colocado em movimento. Caminhar no amor ao cemitério e lá estar quando os soluços e as lágrimas vêem, é caminhar no amor de Cristo com aquele que amamos.

Em nossos dias, vamos de carro para ficar com aquele que amamos, ou ficamos disponíveis perto do telefone para que ele ou ela saiba que está tudo bem nos visitar e conosco compartilhar seu estado emocional. Quando você caminha no amor, você dá sinais exteriores o tempo todo de que seu coração está aberto a visitas em qualquer horário. Não há horário executivo em que seu afeto não possa ser acessado. Você aprecia sua privacidade, contudo está pronto para colocá-la de lado sempre que aqueles que você ama precisam de conforto, ânimo ou afeto.

Quando você diz “Eu te amo”, se isto não quer dizer que você está preparado para entrar de boa vontade em qualquer situação, então você está colocando fronteiras e limites ao seu amor. O amor incondicional, imitando o amor de Jesus Cristo por todos os filhos de Deus, é o que o evangelista São João quer dizer em sua breve carta aos verdadeiros cristãos. É diferente do amor que aparece na maioria das canções populares, romances escapistas e artigos sobre celebridades. O amor cristão transcende a expressão sexual do amor, apesar do ardor da sensualidade. Quando contemplamos o nosso amoroso Senhor Jesus no crucifixo que usamos no pescoço ou penduramos nas paredes de casa, começamos a compreender as implicações do verdadeiro amor. Se não formos capazes de contemplar a resposta dos Santos ao Seu amor, caminhar com Maria Madalena e com as outras Miróforas ao sepulcro no dia da ressurreição, ou com a Santa Mãe de Deus e o próprio autor das palavras sobre o caminhar no amor, tal como ele fez com ela para ver Aquele que amavam ser morto de forma tão agonizante, deveríamos compreender que estamos longe de sermos capazes de compreender as implicações do caminhar no amor. Se este for o caso, então a nossa definição da caminhada no amor está mais próxima daquilo que o mundo diz a respeito daquilo que o evangelista está dizendo.

Boletim Interparoquial, dez 2007

domingo, 13 de janeiro de 2008

OrtoFoto

"Deus precisa do Homem"

Michel Evdokimov, filho do último teólogo Franco-russo Paul Evdokimov, é Arcipreste do Exarcado Russo na Europa Ocidental, sob o omophorion (autoridade eclesiástica) do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla. Fr Michel é professor emérito de literatura na Universidade de Potiers, França, e reitor da paróquia ortodoxa de São Pedro e São Paulo localizada em Châtenay-Malabry, nos arredores do sul de Paris. Ele é autor de numerosos livros sobre a herança teológica russa, bem como sobre temas da espiritualidade ortodoxa. Recentemente, completou uma biografia resumida do Padre Alexander Men, e, atualmente, está sendo preparada uma versão em língua inglesa sobre seu trabalho, iluminador e popular, a cerca da oração: “Ouvrir ton Coeur” (Abrir teu coração).

O texto aqui apresentado foi retirado do seu boletim paroquial de Jan-Abr, 2006, e aborda uma questão de suma importância para o mundo ocidental, no que ele se distancia cada vez mais de seus esteios cristãos tradicionais. (O termo “homme”, em francês, é uma expressão genérica para humanidade, homens e mulheres; sua tradução aqui como “homem” ou “gênero humano” é também para ser compreendida como incluindo homens e mulheres).

É mais freqüente, ou em todo caso mais normal, dizer-se que o homem tem necessidade de Deus. Mas, hoje (nas sociedades ocidentais), o homem do século XXI ainda tem necessidade de Deus? Uma pesada capa de indiferença em relação ao divino, bem como em relação as várias Igrejas, parece carregar pesadamente o espírito humano hoje em dia. Ela nos leva a relembrar a observação de Santo Isaac, o Sírio, que declarou que todos os pecados serão perdoados, exceto o da indiferença em relação ao Cristo ressuscitado. Isto, porque a Ressurreição de Cristo é a própria pedra fundamental de toda a criação: do mundo e da humanidade. A ressurreição é a garantia do amor divino, sem o qual nenhuma forma de vida é possível.

Felizmente, a atual indiferença em relação ao divino não chega ao ponto de obscurecer o verdadeiro sentido da solidariedade que agrega todas as criaturas humanas de Deus. No entanto, temos que nos perguntar se essa indiferença, de fato, não encobre uma difusa ansiedade: não sermos reconhecidos pelo que realmente somos nas profundezas do nosso ser, e que, de fato, na vida, estamos nas garras de um fado que, afinal, conduz à falta de sentido e ao aniquilamento. Mesmo assim, não é possível que, em meio a essa ansiedade, nas trevas que experimentamos atualmente, estejamos ainda assim em busca do que São Paulo chamou de “o deus desconhecido”? O Padre Alexander Men gostava de mencionar que Freud tinha descoberto que todo mundo, mesmo ateístas confessos como ele próprio, estava convencido, nas profundezas de sua mente inconsciente, de que algo continua, sim, depois da morte!

Invertendo a frase costumeira, não podemos também afirmar que Deus tem necessidade do homem, de Sua humana criatura? Um sem número de místicos têm tentado explorar esse paradoxo. Um deles, o místico alemão do século XVII, Angelus Silesius, expressou-o em termos bem audaciosos:


“Sem mim, Deus não pode viver nem um segundo.
Se eu retornar ao nada, Ele ficará despido de seu próprio espírito”.
(The Cherubic Pilgrim / O Querubin Peregrino)


Num tom algo mais leve, um místico judeu expressou a mesma idéia:


“Rabbi Baruch estava procurando um modo de explicar que Deus era um estranho entre os homens, um companheiro no exílio. Um dia, seu neto estava brincando de esconde-esconde com outro menino. Ele se escondeu, mas seu amiguinho recusou-se a procurar por ele e foi para casa. O menino veio correndo para seu avô com os olhos rasos d'água. Os olhos de Rabbi Baruch também encheram-se de lágrimas e ele exclamou: “Deus diz essa mesma coisa: eu me escondo, mas ninguém vem me procurar!”.


Deus precisa de pessoas em contato com a realidade, não daquelas que se escondem numa esfera de religiosidade, consolando-se com ilusões. E Ele também não precisa daqueles que transformam a fé cristã num moralismo ressecado ou nalgum rígido sistema moral. Deus precisa de pessoas que amem a vida. Ele precisa de nossa inteligência para que compreendamos Seus propósitos. Ele precisa de nossas pernas para levar ajuda aos nossos irmãos e irmãs em sofrimento. Ele precisa de nossos lábios para proclamar Sua Palavra. Ele precisa também de nossos corações, de modo que possamos derramar abundante amor, capaz de restaurar a esperança aos nossos vizinhos. E Ele precisa de nossa fé, para que possamos comungar com Ele em celebrações litúrgicas nas quais Ele é “Aquele que oferece e é oferecido”.

Desse modo, podemos dar algo de nós mesmos a essa criação, tal como Deus queria que ela fosse, e a qual Ele Se deu inteiramente ao aceitar nascer de uma Virgem pura num humilde estábulo de Belém. Quando Ele veio à terra como um recém-nascido, envolvido pelo carinho de Seus pais, Ele assim o fez com um propósito fundamental: mostrar o quanto Deus tem necessidade de nós, Suas humanas criaturas.
Boletim Interparoquial, dez 2007

Hinos triádicos

Do grego τριαδικόν (plural τριαδικα triádica), em eslavão troíchen. Uma estância em honra da Santíssima Trindade (do grego Τριάς). Freqüentemente o penúltimo de uma série de troparia de uma ode de um cânon toma esta forma, sendo o último tropário, normalmente, um Theotokion. Este grupo de hinos em louvor à Santíssima Trindade, um grupo para cada tom, é lido com refrões cantados nos dias de semana da Grande Quaresma em Matinas. Aos domingos no Ofício da meia-noite é cantado um cânon especial chamado de ‘Cânon Triádico’ (do grego τριαδικός κανών) em honra à Trindade: estes cânones são oito em número, um para cada tom, e são encontrados no Octoecos.

sábado, 12 de janeiro de 2008

OrtoFoto

autor: Adam Falkowski

Engraçado...

Não é engraçado como R$ 10,00 parece tanto quando o levamos à Igreja e tão pouco quando vamos ao shopping?

Não é engraçado como uma hora é tão longa quando servimos a Deus, mas, tão curta quando assistimos um jogo de futebol?

Não é engraçado como duas horas na Igreja parecem mais longas do que quando assistimos um filme?

Não é engraçado como não achamos as palavras quando oramos, mas, elas estão sempre na ponta da língua para conversarmos com um amigo?

Não é engraçado como ficamos empolgados quando um jogo vai para a prorrogação, mas, reclamamos quando o ofício dura mais que o normal?

Não é engraçado acharmos cansativo ler um capítulo da Bíblia, mas, é fácil ler 100 paginas do último romance de sucesso?

Não é engraçado como queremos sempre as cadeiras da frente no teatro ou num show, mas sempre sentamos no fundo da Igreja?

Não é engraçado como precisamos de 2 ou 3 semanas de antecedência para agendar um compromisso na Igreja, mas, para outros programas estamos sempre disponíveis?

Não é engraçado como temos dificuldade de aprender a evangelizar, e como é fácil aprender e contar as últimas novidades?

Não é engraçado como acreditamos nos jornais, mas, questionamos a Bíblia?

Não é engraçado como todo mundo quer ir para o céu desde que não tenha que acreditar, dizer ou fazer nada?

NÃO É ENGRAÇADO?

Você está rindo ou está pensando?
É engraçado? Não... Não é nada Engraçado.
É muito triste. Pense nisto.

Texto retirado da internet, autor desconhecido

Hexasalmos

Do grego έξάψαλμος, em eslavão shestopsálmie. Os Salmos 3, 38, 63, 88, 103 e 143 lidos diariamente no começo de Matinas. Não deve haver nenhum movimento ou barulho, qualquer que seja, enquanto eles estão sendo recitados, e a todos os presentes exige-se que fiquem de pé.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

OrtoFoto

Primeiros Cristãos em Kiev
autor: Vasili Perov

Hexapostiliário

Do grego έξαποστειλάριον de έξαποστέλλω, despedida. Um tropário que aparece na conclusão do cânon de Matinas, e freqüentemente desenvolvendo o tema de Cristo como a luz do mundo; é lido ou cantado após a Pequena Litania que sempre segue um cânon de Matinas. É denominado hexapostiliário por que dá o encerramento, a despedida no final do cânon. Nas festas é tirado do Menaia, nos dias comuns será tirado do Octoecos e fará referência ao evento comemorado no dia da semana. Na Grande Quaresma é chamado ‘photagogikon’ (do grego φωταγωγικόν, hino da luz, que conduz à luz (Cristo); plural φωταγωγικa, photagogika, em eslavão svetílen. Os photagogika substituem, na Grande Quaresma, os Hexapostiliário do tempo comum, no ofício de Matinas. Nas Vigílias de Sábado à noite, o hexapostiliário está sempre relacionado com um dos 11 Evangelhos da Ressurreição (Evangelho lido no ofício de Grandes Matinas) lido anteriormente.

"O Matrimônio na Igreja Ortodoxa"

Sabemos que o casamento é uma instituição estabelecida por Deus. É um “grande mistério”. Primeiramente, o casamento é um caminho de dores; a relação do homem com a mulher é chamado de “fardo comum”, o que quer dizer que os dois obram a mesma obra e levam juntos o mesmo fardo.


O casamento é uma jornarda em comum, uma porção dividida de dor e, é claro, de alegria também. Marido e mulher bebem do mesmo cálice na vida, tanto da tristeza como da realização. Durante a cerimônia do Matrimônio, o Padre dá a beber aos noivos do mesmo cálice, porque juntos irão carregar a fardo do casamento. Somente aqueles que sofrem podem realmente amar. Vida em comum é cruz e o casamento é este estar em comum, e até na cruz!
Em segundo lugar, o casamento é um caminho de amor. Deus une 2 pessoas e as torna uma só. Desta união de 2 pessoas, as quais concordam em sincronizar seus andares e harmonizar o batimento de seus corações, surge um novo ser humano. O casal troca alianças afim de demonstrarem que em todas as circunstâncias e mudanças da vida, permanecerão unidos. Cada um traz a aliança com o nome do outro escrito, que é colocada no dedo onde uma veia corre diretamente para o coração. O que quer dizer que o nome do outro está escrito no seu próprio coração. Ele dá o sangue de seu coração ao outro.


A mulher expressa o amor pelo seu marido através da obediência. Ela é obediente a ele tal como a Igreja o é a Cristo. A mulher é o coração (que ama). O homem a cabeça (que guia e protege). Vemos então que o casamento antes de tudo é uma jornada de dor, depois como uma jornada de amor e então como uma jornada ao Paraíso,um chamado de Deus.


A Sagrada Escritura diz que é um “grande mistério”, um mistério com o sinal da mística presença. O próprio Cristo diz “lá onde dois ou três estiverem em meu nome, eu estarei no meio deles”- eis que então quando duas pessoas se casam em nome de Cristo, tornam-se o sinal que traz e expressa o próprio Cristo. É esta a razão pela qual também coroas são colocadas em suas cabeças durante a celebração do matrimônio: porque o noivo e a noiva são a imagem de Cristo e da Igreja.


O acender das velas simboliza as virgens prudentes; ao entregar as velas aos recém-casados o Padre diz: Esperai pelo Cristo tal como as Virgens Prudentes.


As alianças permanecem no Altar durante a celebração até serem trazidas de lá, pelo Padre, o que marca que o Matrimônio tem o seu início em Cristo e também termina em Cristo.
O Padre une (ata com uma faixa, segundo alguns costumes nacionais) também as mãos dos noivos, afim de mostrar que o próprio Cristo os une; é Cristo o coração do mistério e o centro de suas vidas.


Todos os elementos da cerimônia são sombras e símbolos que indicam a presença de Cristo. Ao veres o teu casamento, o teu marido, a tua mulher, os teus problemas em tua casa, em teu lar, saiba que tudo isso são sinais da presença de Cristo.


As coroas são também símbolos da presença de Cristo. Especificamente são símbolos de martírio. Marido e mulher poem coroas para mostrarem que estão prontos a se tornarem mártires por Cristo. São coroas também símbolo de realeza, e apartir de então marido e mulher são reis e rainhas, sua casa é o reino, o reino da Igreja, uma extensão da Igreja. Estas mesmas coroas ainda simbolizam a vitória final que será atingida no Reino do Paraíso.
Eis que o casamento é uma ponte guiando-nos da terra ao Paraíso. Antes e acima do amor, antes e acima de teu marido, de tua mulher, acima dos acontecimentos rotineiros, lembre-se de que estás destinado ao Paraíso e que se dispuseste a tomar a via que te levará desta vida.


O esposo e a esposa dão as suas mãos um ao outro, e o Padre os toma os dois e os conduz em torno da mesa, dançando e cantando.


Casamento é o movimento, a progressão, a jornada que terminará no Paraíso, na eternidade. Nesta dança em torno da mesa, o Cristo os tomou, os salvou, os redimiu e os fez Seus. E este é o grande mistério do casamento. Dizer que és casado corresponde a dizer que escravizaste o teu coração a Cristo. Na Igreja Ortodoxa dizer: “Eu sou casado” significa eu sou servidor e escravo de Cristo.


Deve ser muito estranho ler um texto acerca do casamento e/ou matrimônio escrito por um monge, que escolheu abdicar-se desta forma de vida. Deus no entanto é Quem nos dá o exemplo, Ele que é o Amor supremo. E este amor é a causa pela qual Ele decide Se fazer manifesto ao homem que havia criado – e até por este amor é que Ele cria o homem. O amor é a natureza da SS. Trindade - Ela transborda em e de amor. É, então, neste prisma que penso poder afirmar que o amor é o mesmo, seja ele pelo seu companheiro(a) em uma vida familiar ou aquele que conduz o monge à santidade (amando e servindo a Cristo). O maior exemplo de amor é a Cruz que o Filho de Deus aceita subir e ser nela pregado pela nossa raça humana. Amor é sacrifício, combate, oferta, realização e plenitude. Amor é a marca do Evangelho. Amor é o Mandamento divino. Amor é a nossa Salvação. Amor é a vida eterna.
Monja Rebeca.
Manastir Sv. Apostola Petra i Pavla. BiH
Boletim Interparoquial, set 2007

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

OrtoFoto

autor: Sergey Glushkov

Oração para o Estudo

Antes:
Mestre de sapiência e Dispensador de toda inteligência, Tu que instrui os ignorantes e protege os pobres, consolida e esclarece o meu coração. Ó Senhor, Verbo do Pai, concede-me de desfrutar da palavra, pois eu não impediria que os meus lábios Te clamassem: Deus de misericórdia, tem piedade de mim, Tua criatura caída.

Ó Senhor infinitamente bom, faz descer sobre nós a graça do Teu Espírito Santo, que fortifica e consolida as nossas almas, afim de que ao nos aplicarmos ao ensinamento proposto, cresçamos para a Tua glória, ó nosso Criador, para a alegria de nossos pais, para a disponibilidade da Igreja, da Pátria e de todos os homens. Amém.

Após:
Nós Te damos graças, ó Criador, por nos teres concedido a Tua graça de recebermos este ensinamento. Abençoa os nossos superiores, nossos pais, mestres e professores que nos guiam no conhecimento do bem, e concede-nos a força e a firmeza para levarmos a bom termo nossos estudos.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Santo Protomártir e Arcediago Estevão (+34) - 27 dez/09 jan

Santo Estevão descendia dos judeus que viviam no estrangeiro, ou seja, fora da Terra Santa. Tais judeus eram chamados de helenistas, pois havia neles a influência da cultura grega que dominava no império romano. Após a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos a Igreja começou a crescer rapidamente e surgiu a necessidade de se cuidar dos órfãos, viúvas e pobres em geral, que foram batizados. Os apóstolos sugeriram que os cristãos escolhessem sete homens justos para cuidarem dos necessitados. Esses sete homens foram ordenados diáconos (o que significa ajudantes, servidores) e então foram considerados pelos apóstolos como seus auxiliares mais próximos. Dentre os diáconos um se destacou por sua fé inabalável e dom da palavra: o jovem Estevão, chamado de arcediago, ou seja, primeiro diácono. Em pouco tempo os diáconos, além do auxílio aos pobres, passaram a participar assiduamente das orações e ofícios. Estevão pregava a palavra de Deus em Jerusalém, reforçando a verdade de suas palavras com presságios e milagres. Seu sucesso era enorme, e isso despertou contra ele ódio dos seguidores da lei de Moisés — os fariseus. Eles o capturaram e levaram à corte suprema dos judeus. Ali os fariseus apresentaram falsas testemunhas, as quais afirmavam que ele, em suas pregações blasfemava contra Deus e o profeta Moisés. Justificando-se Santo Estevão expôs diante dos cirenenses a história do povo hebreu, demonstrando com claros exemplos, como eles sempre repudiaram a Deus e matavam os profetas enviados por Ele. Ao ouvirem essas palavras, os membros cirenenses esbravejaram de raiva. Nesse momento Santo Estevão fitou o Céu o qual se abriu sobre ele, e ele exclamou: "Eis que vejo os céus abertos e o Filho do Homem de pé à direita de Deus” (atos 7:56). Ouvindo-o falar, novamente os cirenenses foram tomados por uma fúria imensa. Tampando os ouvidos, eles se atiraram contra ele, lançaram-no fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. Havia um rapaz de nome Saulo, o qual foi incumbido de vigiar as vestes do apedrejado; ele aprovava o assassinato de Estevão. Ao cair sob a saraivada de pedras, Estevão exclamou: "Senhor Jesus, não lhes leves em conta este pecado e recebe meu espírito." Esse acontecimento e a palavra de Estevão estão descritos pelo Evangelista Lucas no livro dos At. 6,8.


Assim o arcediago foi o primeiro mártir por Cristo no ano 34 d.C.. Depois disso em Jerusalém começou a perseguição aos cristãos, da qual eles foram obrigados a fugir para várias partes da Terra Santa e vizinhança do país. Assim a fé cristã foi se propagando por várias partes do império romano. O sangue do primeiro mártir Estevão não foi derramado em vão. Pouco tempo depois Saulo, aquele que aprovou a sentença de morte de Estevão, passou a crer, foi batizado com o nome de Paulo. Tornou-se um famoso pregador do Evangelho e um dos mais prósperos evangelistas e missionários. Muitos anos depois, tendo ido a Jerusalém, também foi agarrado por uma multidão enfurecida de judeus que queriam apedrejá-lo. Em sua conversação com eles, Paulo lembrou-se sobre a morte inocente de Estevão e de sua própria participação nela (Atos 22).


Tropário, t.4
Na fronte, recebeste o diadema real por causa dos teus sofrimentos suportados por Cristo nosso Deus, o primeiro nos combates e entre os mártires, confundiste a assembléia dos ímpios, à direita de Deus Pai tu viste o Senhor. Sem cessar, roga a Ele para que as nossas almas sejam salvas.